O meu 1º de Maio de 1994

F1 1994 San Marino GP Ayrton Senna Roland Ratzenberger
O dia 29 de abril de 1994 em San Marino foi complicado. Voltei da escola com a notícia de que Rubens Barrichello decolou por cima de uma zebra da Variante Bassa a 225 km/h e quase transpassou a barreira de pneus, quebrando seu nariz e braço direito, e deixando-o inconsciente. Os médicos tiveram que reanimá-lo antes de levá-lo ao hospital. O piloto teve que ficar de fora do Grande Prêmio.

No sábado, durante a etapa de classificação, o austríaco Roland Ratzenberger vinha a 306 km/h, quando a asa dianteira de seu Simtek número 32 quebrou, provalvelmente pelo fato de o piloto ter passado por cima de uma zebra na curva Acque Minerali na volta anterior.

Sem o aerofólio dianteiro, o piloto ficou sem possibilidade de frear e esterçar o carro com eficiência, e acabou batendo de frente no muro de concreto presente na área de escape da curva Villeneuve. Quarenta minutos depois de seu resgate, Roland Ratzenberger foi declarado morto, por fratura basal craniana.

Os perigos do Circuito de Ímola, e da própria Fórmula 1 em geral, nunca estiveram tão tragicamente evidentes. No entanto, todos aguardavam o Grande Prêmio de San Marino. A história dos treinos de classificação novamente se repetia: Ayrton Senna na pole, Michael Schumacher em segundo.

A expectativa por um melhor rendimento do brasileiro em corridas aumentava, uma vez que não conseguiu completar nenhuma das duas provas anteriores, em Interlagos e Aida.

Logo na largada, J.J. Lehto não conseguiu arrancar, e Pedro Lamy colidiu na Benetton do finlandês. Pedaços de carros e pneus voaram contra a cerca de proteção das arquibancadas, ferindo nove pessoas. O carro de segurança entrou na pista. Após cinco voltas, o safety car liberou os carros para disputarem a prova a toda velocidade.

Na volta sete, Ayrton Senna vinha a 306 km/h pela curva Tamburello, quando, subitamente, perdeu o controle do Williams FW16. Apesar de conseguir frear o carro, não desacelerou o suficiente, atingindo o muro de concreto a 211 km/h.
F1 1994 San Marino GP Ayrton Senna Crash
A bandeira vermelha foi agitada, interrompendo a prova. Quinze minutos após o acidente, o brasileiro foi levado ao Hospital de Maggiore, em Bologna. Trinta e cinco minutos após o acidente, a corrida reiniciou.

Eu queria continuar assistindo à corrida, mas o meu pai me mandou ir até a vila buscar o jornal. Peguei minha bicicleta e pedalei o mais rápido que pude até a casa do professor Carlinhos, que me dava aulas de Ciências no colégio, pegava os jornais do ônibus que vinha de Santa Cruz do Sul e os mantinha em seu poder até irmos buscar. Criei a expectativa de aproveitar a ocasião e ficar por lá para assistir ao resto da corrida antes de voltar, mas o dono da casa já havia desligado a televisão.

Então, tentei voltar para casa o mais rápido que pude para voltar à frente da televisão. No entanto, nenhuma informação sobre o estado de saúde de Ayrton Senna havia sido passada. E a corrida também não tinha grandes novidades além da liderança e consequente vitória de Michael Schumacher, a não ser pelo ineditismo de Mika Hakkinen liderar suas primeiras voltas na Fórmula 1 antes de realizar seu pit stop, e um incidente com a troca de pneus de Michele Alboreto, quando, em seu caminho para retornar à pista, a roda traseira direita de seu Minardi se desprendeu, atingindo dois mecânicos da Ferrari e dois da Lotus.

Michael Schumacher, Nicola Larini e Mika Häkkinen protagonizaram o quase sepulcral pódio da corrida, quando, em respeito a Roland Ratzenberger e Ayrton Senna, nenhuma garrafa de champagne foi estourada. "Não posso me sentir feliz nem satisfeito neste momento", disse o alemão, durante a coletiva de imprensa após o atribulado final de semana.

Eu não conseguia pensar em fazer outra coisa após o GP de San Marino a não ser procurar saber o que aconteceria com Ayrton Senna. Como não tínhamos internet, computadores, celulares nem smartphones à nossa disposição, só nos restava ficar à frente da televisão, trocando constantemente de canal, a fim de conseguir alguma notícia em primeira mão.

Só saí da frente da televisão para almoçar, apesar de ainda conseguir assistir, pois o aparelho Telefunken de 14 polegadas ficava preso a um suporte de parede, que permitia que fosse direcionado da sala para a cozinha.

A minha tarde se resumiu a ficar sentado ao lado do fogão à lenha, assistindo à repercussão do acidente do segundo brasileiro tricampeão de Fórmula 1, com meu irmão ao lado. Lá pelas 13 horas, Roberto Cabrini entrou no ar, ao vivo, pelo telefone, para avisar que o piloto teve morte cerebral, e ainda estava vivo graças ao uso de aparelhos.

Neste momento, sabia que ele já estava morto, apenas era questão de tempo para o anúncio oficial, que veio às 13:40: "morreu Ayrton Senna da Silva, uma notícia que ninguém gostaria de dar", Roberto Cabrini relatava desta forma o inevitável. Minha mãe disse a meu irmão: "é, Mateus, agora não vai ter mais Senna". Ele não entendeu o que o repórter e a mãe disseram.

Logo após, às 16 horas, começariam os jogos dos campeonatos estaduais de futebol. Em vários deles, foi obedecido um minuto de silêncio em homenagem ao piloto. Várias emissoras de televisão cancelaram as pautas de seus programas para focarem na morte de Ayrton. No outro dia, a Escola Estadual de 1º Grau Curupaiti inteira fez um minuto de silêncio antes do começo das aulas.

A autópsia revelou que a causa da morte foi uma perfuração no crânio, causada por um braço da suspensão dianteira direita, que voou com a roda, atingindo a cabeça de Ayrton, logo acima do supercílio direito. O narrador da BBC, Murray Walker, descreveu o final de semana de 29 de abril a 1º de maio de 1994 como "o mais terrível da história da Fórmula 1 que conseguia recordar".

Aproximadamente quinhentas mil pessoas pararam nas ruas de São Paulo para ver o caixão de Ayrton Senna passar, até o funeral, realizado em cinco de maio. Quatro de seus amigos, Gerhard Berger, Emerson Fittipaldi, Rubens Barrichello e Alain Prost, incumbiram-se da missão de carregar o seu corpo.
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A maioria das pessoas mais conhecidas da Fórmula 1 compareceu ao velório de Ayrton Senna, menos o presidente da FIA, Max Mosley, que foi ao funeral de Roland Ratzenberger, que ocorreu em sete de maio. Dez anos mais tarde, justificou sua escolha: "todos iriam ao funeral do brasileiro, achei que alguém deveria comparecer ao do austríaco".

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