O triste fim dos instrumentos analógicos e como a pandemia de COVID-19 está retardando o processo de substituição por painéis digitais

1965 Ford Mustang Instrument Cluster Dashboard
A partir da popularização do automóvel, vários itens dos veículos começaram a ser pensados em função do design, focando-se na carroceria, do conforto, como no caso dos assentos, da facilidade de uso, ao construir o console central, e de leitura, aí chegamos no painel de instrumentos.

Antes do advento dos componentes eletrônicos, os velocímetros, tacômetros, vacuômetros, econômetros, medidores de combustível, temperatura, pressão, e os relógios que fazem parte do console eram mecânicos, com estruturas complexas que ocupam muito espaço dentro do carro.

Agora, com os chips de silício, quase todas as montadoras de automóveis já estão substituindo vários instrumentos analógicos, senão todos, por displays de LCD ou LED. E isto está eliminando uma característica que muitos viciados em carros exaltam: o desenho e a disposição do painel.

Quando eu era pequeno, adorava quando havia uma festa em Vale Verde. A minha diversão era correr pelo estacionamento do agora inexistente Pavilhão da Comunidade Evangélica, checar cada carro, memorizar a marca e o modelo, e espiar, pelo vidro lateral da porta do motorista, para ver como era o painel de instrumentos.

Haviam dos carros populares, com apenas dois instrumentos básicos, o velocímetro, o medidor de combustível e as luzes-espia, e dos mais luxuosos, com instrumentação complexa, que ia do conta-giros ao medidor de pressão de óleo, e também tinham os veículos de frota empresarial, que tinham um tacógrafo, instalado na frente da alavanca de câmbio.

Na minha opinião, o painel de instrumentos é um dos itens mais importantes na concepção de um modelo de automóvel. Assim como eu, muitas pessoas identificam a marca e o modelo de um veículo apenas olhando para a foto de um console.

O Porsche 911 que o diga, já que o tradicional painel, de iniciou com três e evoluiu para cinco peças côncavas, o acompanha desde a primeira versão, em 1964. Só que nem mesmo ele escapou da "eletronicalização", como mostra a foto abaixo, demonstrando o painel de instrumentos da versão 2021 do modelo.
2021 Porsche 911 Instrument Cluster Dashboard
No entanto, apenas o tacômetro ainda é analógico. O pulso ainda pulsa.
Se pararmos para pensar, é óbvio que até mesmo o conta-giros deixou de ser mecânico há muito tempo. Aliás, a instrumentação analógica como um todo já não é mais aquela parafernália pesada movida a cabos, cada instrumento passou a ser apenas um sensor de posição que recebe um sinal eletrônico oriundo da caixa de câmbio ou do sistema ABS, como no caso da medição da velocidade.

Só que o foco do meu pensamento não é exatamente no fato dos instrumentos do console de um veículo serem totalmente mecânicos, mas de eles estarem perdendo sua característica principal: a de serem meros indicadores físicos que apontam para uma posição em uma faixa métrica.

Com os instrumentos analógicos, a leitura dos dados tende a ser mais rápida, já que, sabendo a posição de um ponteiro, pode-se rapidamente saber a que velocidade se está trafegando, a quantas RPM o motor está girando, quanto de combustível há no tanque e qual a temperatura do líquido de arrefecimento, entre outras informações relevantes.

Só que todos os instrumentos do painel de um carro estão migrando para serem cada um apenas um número. Dependendo da disposição de todos na tela LCD ou LED, podem confundir o motorista incauto. Contudo, há algumas vantagens, como a possibilidade de o motorista customizar o painel, substituindo alguns instrumentos que julgar desnecessários pelo mapa de navegação, pela música que está tocando no sistema de infoentretenimento, por exemplo.

Entretanto, alguns fabricantes passam dos limites, como no caso da Ares Design, que construiu o Progetto Uno, réplica moderna do DeTomaso Pantera que usa o Lamborghini Huracán como base. Fora o fato de usar uma alvanca de câmbio em H como seletor dos modos Parking, Reverse, Neutral e Drive, o que não vem ao caso no momento, a empresa montou um display controlado eletronicamente para exibir um relógio... analógico! E com algarismos romanos!
2021 Ares Design Progetto Uno Instrument Cluster Dashboard
Você já deve estar se perguntando: o que tudo isto tem a ver com a pandemia do novo coronavírus SARS-CoV-2? Bem, tem tudo a ver com isto. Até a última década, quem tinha condições financeiras, possuía um ou mais computadores pessoais, sejam eles desktops ou portáteis. Com os chips diminuindo de tamanho rapidamente, muitas famílias substituíram os equipamentos antigos por telefones celulares e eletrodomésticos com acesso à internet, como televisores, por exemplo.

Só que a pandemia de COVID-19 que assola o mundo desde 2020 fez com que muitas pessoas passassem a trabalhar em casa, ato mais conhecido como home office. Para que pudessem fazer isso, tiveram que novamente adquirir computadores pessoais. Assim, a demanda por chips eletrônicos aumentou consideravelmente.

Com a eletrônica estando atualmente em praticamente tudo que é bem material consumido pelas pessoas, até mesmo em itens de vestuário, a demanda superou a oferta. A mais famosa lei de mercado imperou, e quem tem mais dinheiro é quem define o preço dos chips. Fatalmente, os preços dos equipamentos eletrônicos aumentaram.

Para as fabricantes de automóveis, que estão ferrenhamente substituindo os instrumentos analógicos pelos digitais, além de já fazerem outras peças eletrônicas, como os já existentes sistemas de injeção e ABS, por exemplo, o orçamento pesou consideravelmente, a ponto de terem que tomar medidas drásticas. Por exemplo, a Daimler cortou horas de trabalho de 18.500 funcionários devido à falta de chips para o desenvolvimento de componentes eletrônicos.

O caso mais emblemático da crise dos chips é o da Stellantis, que adotou uma estratégia, no mínimo, inteligente. A recente fusão entre a FCA e a PSA está tomando diversas medidas para reduzir custos, desde o número de banheiros até nos painéis digitais dos veículos que comercializa.

Os instrumentos eletrônicos do painel são menores, mais leves e mais práticos de serem dispostos no console, mas também são mais caros. Assim, a Peugeot passará a oferecer um desconto de 400 euros para quem adquirir uma unidade do modelo 308 com os famosos relógios de ponteiros.

Esta medida foi tomada apenas para a atual geração do 308, já que a versão 2022 será atualizada e voltará a receber instrumentos digitais, assim como os modelos mais populares da marca, como o SUV 3008, que permanecem com os atuais chips eletrônicos no painel.

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