O marketing da Igreja funcionou durante séculos. Mudá-lo, para pior, foi um erro trágico.

Em 1977, Alex Periscinoto, um dos pioneiros do marketing moderno no Brasil, um dos fundadores da ALMAP, agência que faz parte da história da propaganda brasileira, foi contratado pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), para estudar as causas do abandono da prática religiosa, e sugerir quais seriam as medidas a serem tomadas pela Igreja Católica.

Em seu relatório, o especialista em comunicação corporativa deixou os prelados de boca aberta. Não pelo fato de terem gostado das conclusões, mas que não sabiam que já tinham um sistema de marketing, e ao mudá-lo, parando de rezar missas em latim, abandonando a batina, montando igrejas em prédios civis, mudando a liturgia, cometeram um enorme erro.

Alex Periscinoto admitiu que não falaria como um teólogo, mas como especialista em marketing, e que o discurso giraria não em torno da fé propriamente dita, mas da ideia de imagem que a Igreja tentava transmitir, para que ninguém se escandalizasse com o que diria.

O especialista explicou aos bispos o valor da tradição, e analisou este conceito à luz dos modernos conceitos de marketing: os sinos, a cruz, a torre da igreja, as procissões, a orientação do sacerdote, a batina e o uso do latim eram excelentes ferramentas para o reconhecimento, a lealdade dos fiéis, ou "fidelidade" dos "clientes", como se chama no marketing, e para a manutenção da mesma.

Os bispos pensavam que estavam agradando aos fiéis, mas o efeito foi o contrário: começaram a perder "clientes" para as outras religiões. Esta é a conclusão à qual Alex Periscinoto chegou ao analisar a situação da Igreja Católica.

Em seu livro "Mais Vale o Que Se Aprende Que o Que Te Ensinam", ele relembra esta palestra, entitulada "O Marketing da Fé: a Igreja Católica e a Comunicação". Leia o seu discurso na íntegra. Você também pode acompanhá-lo pela voz de Rogério Mendelski, que o transmitiu no programa "Primeira Hora", da Rádio Bandeirantes.
Em vez de uma palestra, vamos fazer um bate-papo informal, porque nós, profissionais da comunicação, descobrimos que há muito o que agradecer a vocês. Todas as ferramentas de trabalho que usamos hoje na nossa profissão, todas, sem tirar nenhuma, foram inventadas por vocês, os religiosos. Então, vamos lá!

O primeiro veículo de comunicação de massa inventado até hoje, o mais forte de todos, foi o sino. O sino que tinha mensagem nas suas batidas atingia, na ocasião das aldeias, 80, 90% das pequenas cidades. Ele não só atingia, como modificava o comportamento físico e mental de 80, 90% das aldeias cada vez que ele batia e espalhava suas mensagens de maneira singular. Antes do sino, o arauto, não passava de uma mala-direta muito mixuruca.

Depois desse grande veículo de comunicação de massa, continuando nessa nossa analogia, vocês religiosos inventaram uma ferramenta que a comunicação usa muito hoje, o display. Nós usamos o display para destacar uma informação.

Quando todos os telhados das aldeias eram baixinhos, vocês construíram um telhado altíssimo, quatro, cinco vezes maior e em forma de ponta e isso não era para facilitar o caimento da neve porque, em países onde não existia neve, vocês continuavam obedecendo esse desenho arquitetônico. Isso era para se avistar ao longe a torre da igreja, logo que se entrasse na aldeia.

Por esse display, a gente com facilidade localizava a igreja. Mais do que isso, vocês inventaram o primeiro logotipo, o mais feliz deles, a cruz. A cruz que nunca foi esquecida de ser colocada no alto do display e que permitia que, além de se identificar que ali era uma igreja, também se identificava que ela pertencia àquela marca, àquela religião e não à marca concorrente.

Inventado um logotipo rico como esse, tão bom que Hitler o pegou, pôs quatro rabos e quase ganha a guerra com esse logotipo. Vocês inventaram mais coisas do mundo da comunicação.

Hoje, uma das ferramentas mais preciosas para se usar nas campanhas, útil no momento de se planejar, para se dizer o texto certo, para o público certo, na hora certa, é a pesquisa. Sem isto é loucura se aventurar a dizer qualquer coisa.

O primeiro departamento de pesquisa de que se sabe foi inventado por vocês, é o confessionário. O confessionário, a minha mãe pensa ainda que o confessionário foi feito para perdoar, e vocês, religiosos, sabem que o confessionário foi inventado para recorrer subsídios, recolher informações.

Era então um santo departamento de pesquisa. Digo santo porque, hoje, quando a gente faz um Ibope qualquer, é possível que a pessoa minta, mas, no santo departamento de pesquisa, a coisa não só era espontânea, necessária e verdadeira.

Daí o padre, no tempo das aldeias, ser o conselheiro maior, maior que o conselheiro político. Aí, na nave da igreja, na hora do sermão, vocês podiam moldar a mensagem para as principais queixas daquela semana, dar uma palavra de conforto, um sossego. Só porque recolhia os subsídios.

Aí, a minha mãe, que não sabia nada disso, recebe do seu departamento de pesquisa algo muito gratificante. Por exemplo, se eu quero me reconstruir de dentro para fora, eu vou a um analista, pago mil dinheiros, e ele me ajuda um pouco, mas a minha mãe vai a um confessionário, sai reconstruída de dentro para fora, sai de lá aliviada e perdoada, coisa que nenhum analista faz nem que você pague o dobro. Esse subproduto que o confessionário dá a minha mãe é muito conveniente à sua clientela.

Essa máquina de comunicação toda que os religiosos inventaram tem mais. A gente poderia dizer que a promoção também foi uma invenção religiosa, senão o que é uma procissão, que chega a fechar uma cidade do interior, uma promoção do Dia de Nossa Senhora, uma promoção do Dia de São Jorge? Uma procissão é uma promoção religiosa! Nós fazemos promoções que têm muito do que vocês nos ensinaram, tem estandarte, tem bandeirola, tem roupa especial, tem uma mística comercial.

Vocês mudaram o sistema da missa. Não é mais em latim, e o padre não fica mais de costas para o público. Tenho uma péssima notícia para vocês. A minha mãe nunca achou que vocês estavam de costas para ela. Ela sempre achou que vocês estavam de frente para Deus, e ela gostava do latim, embora não entendesse bem as palavras, porque era uma linguagem mística que fazia se entender por Deus.

Na minha opinião, esse foi um tremendo de um erro, mas o que quero dizer é que toda essa máquina de comunicação que vocês inventaram não foi à toa. Vocês não inventaram sinos e aquela indumentária toda, que eu chamo de embalagem religiosa, simplesmente por nada, não. Vocês tinham o mesmo problema que nós temos agora: vocês têm uma coisa a ser propagada, e o produto de vocês chama-se fé.

Só que eu também tenho uma boa notícia para vocês. Esse produto, a fé, está em falta no mercado, mas, hoje, vocês não propagam mais fé. Hoje, o que se vê é muito mais brigas entre bispos, entre vocês e o governo, do que sobre o produto que vocês fabricam. Fé era o que minha mãe ia buscar na igreja. Hoje, a encrenca toda equivale à Kibon parar de anunciar sorvete e passar a anunciar a briga da diretoria. Isto não leva nenhuma empresa à nada.

Isso me faz lembrar de uma historinha que eu ouvi há algum tempo nos Estados Unidos. Havia um sujeito que tinha uma loja em frente à outra. Ele anunciava meias de nylon a US$ 1,50. Em seguida, o outro vendia as mesmas meias a US$ 1,35, mas nenhum vendia mais meias do que o outro, e não iriam vender mais mesmo, enquanto ambos ficassem gerenciando as duas lojas ao mesmo tempo.

Cabe ao governo a função do governo. Acho que o produto que a Igreja vende independe da classe econômica do seu fiel, ou, no nosso linguajar, seu "cliente". Quero propor a vocês outro raciocínio. A sociedade de consumo não é muito bem vista por vocês. Talvez vocês devessem tratar a televisão como o sino moderno, porque, atualmente, nas grandes cidades, o sino da paróquia já não funciona direito.

Um mero observador pode saber que a torre da igreja, ou o display, como chamamos na nossa profissão, está escondida entre tantas outras torres, que possuem uma luz vermelha no teto. A pesquisa está desativada porque a clientela não foi renovada, ou, como dizemos em nossos brainstorms, vocês não têm público fresh. Se, por um acaso, o jovem descobrir que pode viver sem a Igreja, então a coisa degringola de vez.

O público de vocês está dividido em três grupos. O primeiro são os que precisam da fé em primeiro lugar, antes mesmo da comida. Estes são os doentes, mas, isso, felizmente, é uma minoria. O segundo segmento de mercado, como a gente chama no marketing, são os idosos, acima de setenta anos, eles mudam de comportamento, e começam a acreditar em Deus e ter fé. O enorme contingente que talvez vocês estejam com dificuldade de atingir são as crianças, jovens e adultos, que talvez representem oitenta, noventa por cento do público.

Atingir esta massiva maioria é o que está mais ou menos difícil de a Igreja conseguir, porque é necessário saber quando, onde e como falar com as pessoas deste enorme segmento. Daí a voltar a repetir que talvez a televisão seja o veículo** ideal. Neste País, onde tudo é de distribuição heterogênea, a única coisa em comum que se espalha de maneira maior é a comunicação, porque o meu Silvio Santos é o mesmo do habitante da periferia.

Se isso é verdade, então alguma coisa certa está sendo feita. Através da comunicação, a gente recebe coisas que preenchem um vazio. A Playboy fez muito sucesso nos Estados Unidos porque mostrava para o norte-americano exatamente o que ele não tinha. Também são sucesso de audiência por lá séries médicas, porque naquele país é muito raro pessoas terem médicos particulares. Isso se chama "preencher vazios" através da comunicação. Este é um grande truque que usamos.

Outro truque de comunicação é usado nos espetáculos de luta livre. Entra um sujeito feio e um bonito. O feio já instaura um clima de terror. A gente se identifica com quem sofre, o bonito que está sempre perdendo, até o momento em que ele vira o jogo. A maioria das novelas é mais ou menos assim. Isto é um paralelo que uso para ilustrar um pouco os truques da comunicação.

A grande pergunta a ser respondida é: o que fazer? Bem, nenhuma chapa de Raios-X diz o que se deve fazer, só mostra se existe uma fratura, e, em caso positivo, como ela está. Propagar a fé não é rezar a missa das oito da manhã na Rede Globo.

A grande resposta a ser fornecida é: vender um conteúdo chamado fé. Algo que faça o fiel, ou cliente, acreditar no que a Igreja pode fazer por ele.


* Hoje, esse número caiu para pouco mais de 60%.
** Hoje, este veículo seria a internet.

Texto original: Messa in Latino
Tradução: Alexandre Oliveira

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