"Boimate", a maior mentira de 1º de abril da imprensa brasileira

Num recipiente com iquido gorduroso obtêm-se por choques elétricos, a fusão das membranas das células. A produção do
Os jornais e revistas ingleses gostam de "descobrir" fatos científicos no dia 1º de abril. A maior revista brasileira "comeu barriga" e entrou na deles. Conheça a história do "boimate", "uma nova fronteira científica".

O "fruto da carne", derivado da fusão da carne do boi e do tomate, batizado com o sugestino nome de boimate, constituiu-se, sem dúvida, no mais sensacional "fato científico" de 1.983, pelo menos para a revista Veja, em sua edição de 27 de abril. Na verdade, trata-se da maior "barriga" (notícia inverídica) da divulgação científica brasileira.

Tudo começou com uma brincadeira – já tradicional – da revista inglesa New Science que, a propósito do dia 1º de abril, dia da mentira, inventou e fez circular esta matéria.

A fusão de células vegetais e animais entusiasmou o responsável pela editoria de ciência da Veja que não titubeou em destacar o fato. E fez mais: ilustrou-o com um diagrama e entrevistou um biólogo da UPS, para dar a devida repercussão da descoberta.

Para a revista, "a experiência dos pesquisadores alemães, porém, permite sonhar com um tomate do qual já se colha algo parecido com um filé ao molho de tomate. E abre uma nova fronteira científica".

O ridículo foi maior porque a revista inglesa deu inúmeras pistas: os biólogos Barry McDonald e William Wimpey tinham esses nomes para lembrar as cadeias internacionais de alimentação McDonald´s e Wimpy´s. A Universidade de Hamburgo, palco do "grande fato", foi citada para que pudesse ser cotejada com "hambúrguer" e assim por diante. Mas nada adiantou.

A descoberta do engano foi feita pelo jornal O Estado de S. Paulo que, após esperar inutilmente pelo desmentido, resolveu "botar a boca no mundo" no dia 26 de junho.
Fruto da carne Engenharia genética funde animal e vegetal Familiarizados com as delicadas estruturas das células, os cientistas que trabalham com engenharia genética conseguem há quatro anos produzir microorganismos híbridos, originários de dois ou mais tipos distintos de células. O processo só funcionava, porém, para unir células de animais entre si ou de vegetais com outras células vegetais. Agora, num ousado avanço da biologia molecular, dois biólogos da Universidade de Hamburgo, na Alemanha. fundiram pela primeira vez células animais com células vegetais — as de um tomateiro com as de um boi. Deu certo. Barry MacDonald e William Wimpey, que fizeram a experiência, obtiveram como resultado um tomateiro capaz de produzir frutos parecidos com tomates mas dotados de uma casca mais resistente e de uma polpa muito mais nutritiva. Os "boimates" têm 50% de proteína vegetal e 50% de proteína animal. No todo, seu valor protéico é quarenta vezes maior que o dos tomates comuns. "Esses tomates híbridos têm um futuro promissor na alimentação de pessoas e animais", diz MacDonald. "Basta produzilos comercialmente a custos baixos." Isso ainda não é possível. A experiência dos pesquisadores alemães, porém, permite sonhar com um tomateiro do qual já se colha algo parecido com um filé ao molho de tomate. E abre uma nova fronteira cientifica. "Os biólogos alemães conseguiram alterar o curso da lei natural, que impede a reprodução de indivíduos de espécies iferentes", diz Ricardo Breutane. cng nheiro genético da Universidade de Sã Paulo. "Essa subversão é estimulante ara todo pesquisador." Para chegar ao seu tomate especial. os dois c entistas valeramse de uma nova técnic de fusão de núcleos de células que iliza choques elétricos e calor. Algumas células de tecidos de um tomateiro e d um boi foram imersas em um líquido rduroso onde, através de um eletrodo, receberam choques elétricos intermitentes que duram apenas 1 bilionésimo de segundo cada um. Esses choques rasgam as membranas externas e dos núcleos celulares — sem, contudo, matar a célula — permitindo que eles se fundam ais tarde, depois de colocados num fornp a 40." centígrados. Em seguida, as estruturas celulares resultantes da fusão, o hibridomas, são submergidas em um &do nutritivo. Finalmente, os hibridom s brotam e se transformam em mudas d tomateiro modificadas e prontas para erar um fruto que jamais existiu antes.
O espírito gozador e, mais surpreendente, às vezes até irado, do brasileiro, no entanto, não deixou por menos. Durante o intervalo entre a matéria da Veja e o desmentido do Estadão, cartas e mais cartas chegaram às redações.

Um delas que, maliciosamente, assinou "X-Burguer, Phd, Capital", lembrava que no Brasil já haviam sido feitas descobertas semelhantes: o jeribá, cruzamento de jabá com jerimum, ou o goiabeijo, cruzamento de gens de goiba, cana-de-açúcar e queijo, e adiantava que seus estudos prosseguiam para criação do Porcojão ou Feijoporco, cruzamento de porcos com feijões que ele esperava dar como contribuição à tradicional feijoada paulista.

Domingos Archangelo escreveu ao Jornal da Tarde uma carta colérica contra a "a violação das leis naturais". Segundo ele, "do alto dos meus 76 anos, não posso ficar calado ante tal afronta às leis divinas. Boi nasceu para pastar, para puxar os saudosos carros do interior e para nos oferecer sua saborosa carne. E tomate, além das notórias qualidades que se lhe imputam na cozinha, serve também para ser arremessado à cabeça de quem perpetra tal montruosidade e, também, dos dão guarida e incentivam tais descobertas".

Francisco Luís Ribeiro, outro leitor da Capital, relata outros cruzamentos, além do boimate, que deram certo e cita experiências para "cruzar pombo-correio com papagaio, para o envio de mensagens faladas".

Finalmente, com o objetivo de pôr fim ao caso que já divertia as redações, a revista publicou, na edição de 6 de julho, ou seja, depois de dois meses, o desmentido: "tratou-se de lastimável equívoco". E justificou-se, explicando que é costume da imprensa inglesa fazer isso no dia 1º de abril e que, desta vez, havia cabido à revista entrar no jogo, exatamente no "seu lado mais desconfortável".

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