Entretanto, houve um detalhe singular para realizarem essas transmissões. Jorge Curi não as faria do exterior, mas escondido dentro de um estúdio da Globo no Rio acompanhando a imagem retransmitida por uma emissora européia. Esse fato foi mantido em absoluto sigilo pela emissora, seus diretores e assessores diretos, além do próprio Curi, obviamente. Com esse engenhoso estratagema, nenhum telespectador desconfiava da farsa porque a narração de Curi era repleta de calor, entusiasmo e vibração, como se efetivamente estivesse presente nos autódromos em que se desenrolavam as corridas.
Foi armado um plano perfeito para concretizar esse engodo. Curi ia para os estúdios da Globo nos sábados pela manhã, saindo de casa com uma mala para aparentar que iria viajar.
Para isso, uma van da Globo levava-o de casa ao estúdio da emissora, onde dormia aguardando a hora de transmitir as corridas, que geralmente aconteciam durante as madrugadas ou nas manhãs de domingo, dependendo do horário do pais em que as provas se realizavam. Após a transmissão, ele saía dos estúdios da Globo disfarçado com chapéu e bigode num carro fechado e levado até a residência de um diretor da emissora, onde dormia, voltando para seu apartamento na segunda-feira de manhã, como se estivesse regressando do Aeroporto do Galeão.
Tudo transcorria conforme planejado. Naturalmente, pouco habituado com a Fórmula 1, vez por outra Curi dava suas gafes, mas isso era perdoado, principalmente porque quando Fittipaldi vencia ele fazia enorme estardalhaço enaltecendo o feito do corredor patrício.
Até que um dia o plano ruiu. A transmissão da TV alemã teve uma pane e ela saiu do ar por bastante tempo. Curi não teve outra solução a não ser dar a velha e esfarrapada desculpa "estamos com um problema técnico". Como a imagem não voltou, a Globo começou a preencher a programação com desenhos animados.
Aborrecido pelo inconveniente de ir para a casa do diretor da emissora a fim de manter a ilusão de estar na Europa, Curi decidiu quebrar a praxe. Pediu ao motorista à sua disposição que o levasse ao seu apartamento, mas, para não ser reconhecido, conseguiu disfarçar-se com um grande chapéu, cabeleira, óculos escuros e bigode postiço. Pediu ao motorista que entrasse pela garagem do seu prédio, subiu rapidamente ao seu apartamento, descansou bastante, almoçou e lá pelas 3 ou 4 da tarde resolveu fazer o footing no calçadão da Praia de Ipanema, que estava repleto de gente.
Foi imediatamente reconhecido e no dia seguinte o colunista Zózimo Barrozo do Amaral deu uma nota relatando a presença dele no calçadão de Ipanema quando, de acordo sua transmissão daquela manhã, ele estava em Monza, na Itália.
Por sua desobediência, a Globo demitiu sumariamente Jorge Curi, que caiu em descrédito. Para seu lugar contratou Julio Delamare, profundo conhecedor de todos os esportes, cujas transmissões não tinham os arroubos e as patriotadas inconseqüentes tão comuns nos narradores-torcedores que, com sua pobreza de espírito, infestam a TV atual com berros alucinantes e histéricos pensando dar maior sensação às suas infaustas e nefandas transmissões esportivas.
Abaixo, meu xará narrando a vitória de Emerson Fittipaldi no GP do Brasil de 1973.
Créditos ao A mil por hora.
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