Caso você tenha notado, talvez tenha ido conferir outros carros japoneses, de modelos e marcas diferentes, e constatou que a situação é a mesma do primeiro. Até parece que foi tudo combinado entre as montadoras da Terra do Sol Nascente... e foi mesmo! E as razões para isto são históricas e culturais.
Só que não é só o velocímetro que é limitado em 180 km/h, o carro em si não permite que o motorista ultrapasse esta velocidade, pois o veículo é limitado eletronicamente, e é preciso modificá-lo para que se possa atingir velocidades mais altas.
Agora, você já deve estar pensando "ah, mas aqui, onde eu moro, os carros japoneses não são limitados a 180 km/h e seus velocímetros marcam até bem mais que isso". Sim, você está certo. O que se deve levar em conta é que as montadoras da ilha nipônica exportam seus carros sem estas restrições de velocidade, e apenas as unidades destinadas ao mercado japonês é que possuem as características que não permitem andar mais rápido.
Para mostrar um exemplo, veja a diferença entre os painéis de instrumentos do Nissan Skyline R34 GT-R.
Primeiro, a versão destinada ao mercado japonês. Segundo, a versão para o mercado externo. Enquanto que o carro japonês só pode atingir até 180 km/h de velocidade máxima, a unidade vendida fora do Japão pode chegar a quase 300 km/h.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o advento da Guerra Fria, o Japão presenciou um período de forte crescimento, com a indústria automotiva sendo um dos principais pilares da economia local. O conceito japonês de sociedade bastante rígida, que vivia por e para trabalhar, trouxe consequências negativas, como muitos jovens ficando cada dia mais profundamente apáticos e aborrecidos, chegando alguns a se organizarem em gangues.
Uma das principais razões para a limitação de velocidade nos carros destinados ao mercado japonês foi o crescimento da gangue bōsōzoku na década de 1970. Os membros desta gangue aterrorizavam as rodovias do Japão com suas motocicletas e carros modificados, desobedecendo as leis de trânsito e trafegando em altíssimas velocidades.
Nos anos 1980, havia uma média de 10 mil mortes por ano em acidentes de trânsito no Japão, país onde o limite de velocidade nas rodovias era de 100 km/h, então, limitar de fábrica os carros a 180 km/h era uma atitude que fazia sentido, pois é uma velocidade ideal para veículos da Polícia, Bombeiros e ambulâncias usarem para emergências, e também não é uma velocidade tão alta para os civis que desobedecerem as leis de trânsito não provoquem tantos estragos em um eventual acidente.
Uma maneira de tentar conter esse comportamento indesejável e perigoso dos bōsōzoku foi adicionar um limite rígido aos carros do mercado japonês, e a maneira escolhida foi impor um limite de velocidade já na fabricação dos veículos.
Além disso, no Japão, existe um forte conceito cultural de "autorrestrição mútua", chamado jishu-kisei. Então, através da JAMA (Japan Automobile Manufacturers Association), foi estabelecido um "acordo de cavalheiros" entre todas as montadoras japonesas, para que todos os carros saíssem de fábrica limitados a atingir a velocidade máxima de 180 km/h. Assim, não foi necessário que o governo japonês criasse uma lei forçando as empresas a fazerem isso.
Enquanto que, em outros mercados, como o europeu e o norte-americano, as montadoras sempre estiveram em uma disputa ferrenha, quase uma "guerra mercadológica", para saber quem produz o carro mais rápido ou potente, os fabricantes japoneses não estavam muito interessados em entrar numa concorrência agressiva em relação à velocidade máxima que seus carros poderiam atingir, pelo menos, no mercado interno, já que as montadoras estavam satisfeitas em fazer isso fora do Japão, provavelmente porque achavam que isso não afetaria negativamente sua reputação doméstica.
Essa introdução agressiva de restrições de velocidade também é uma das razões pelas quais os membros da gangue bōsōzoku iniciaram uma tendência que perdura até hoje: modificar radicalmente a aparência de um veículo para torná-lo o mais diferente possível dos outros. Como não era mais possível exibir seu veículo em alta velocidade, tentar torná-lo uma obra de arte sobre rodas, para muitos, de gosto duvidoso, foi a única alternativa viável.
Isto acontecia, ao menos, no papel, já que todos sabiam que carros como o Nissan Skyline R34 GT-R, Toyota Supra, Subaru WRX STi, Honda NSX, Mitsubishi Lancer Evolution e Mazda RX-7 eram bem mais potentes, como eram unidades que foram exportadas para outros mercados, mas, para vender estes modelos no Japão, as fábricas limitavam a potência máxima para a maior possível estabelecida.
Esta restrição de potência durou até o ano de 2004, quando Itaru Koeda, presidente da JAMA na época, declarou que não havia uma relação direta entre velocidade e as mortes no trânsito, já que, na década de 1990, com as tecnologias que melhoraram a segurança dos carros, como os airbags, cintos com pré-tensionadores, freios ABS e carrocerias projetadas para se deformarem e absorverem impactos, as mortes no trânsito diminuíram. Então, ele extinguiu o limite de potência estabelecido entre as montadoras. A primeira fabricante a "ultrapassar" os 280 CV foi a Honda, ao lançar o Legend, com potência declarada de 300 CV.
Atualmente, a situação é um pouco diferente: a velocidade máxima estabelecida em alguns trechos de rodovias japonesas aumentou para 120 km/h. No entanto, o limite de velocidade nos carros ainda persiste. A maioria dos veículos destinados ao mercado japonês ainda tem velocímetros que marcam até 180 km/h.
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